domingo, 3 de setembro de 2017

Putin manda silenciar crimes de Stalin

Em 1997, o historiador Yury Dmitrieyev localizou o túmulo de massa de Sandarmokh, Carélia, onde 9500 prisioneiros foram mortos por ordem de Stalin
Em 1997, Yury Dmitrieyev localizou o túmulo de massa de Sandarmokh, Carélia,
onde perto de 9.000 prisioneiros foram assassinados por ordem de Stalin
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Yury Dmitrieyev, líder de Memorial, a mais antiga organização de defesa dos direitos humanos da Rússia, dedicou décadas de sua vida a encontrar os lugares onde a polícia política de Stalin, a NKVD, executou milhares de opositores durante o Grande Terror da década de 1930.

Mas isso não agradou Vladimir Putin, ex-coronel da KGB, continuadora da NKVD, que mandou prendê-lo e processá-lo com acusações pelo menos duvidosas, escreveu “Slate”.

No dia 5 de agosto foi o 20º aniversário da descoberta do local da carnificina de Sandormokh, no noroeste da Rússia. Ali foi localizado um dos maiores túmulos coletivos deixados pela URSS, com os restos de mais de 6.000 prisioneiros assassinados no Grande Terror dos anos 1930.

Yury Dmitrieyev foi o primeiro a identificar esse imenso cemitério clandestino em 1997. Porém, não poderá assistir à comemoração do 20º aniversário da descoberta.

Em dezembro de 2016 ele foi encarcerado em circunstâncias estranhas, segundo noticiou o jornal britânico “The Guardian”.

A montagem da acusação faz lembrar procedimentos utilizados no Ocidente para destituir um bispo considerado “conservador”: uma acusação desmoralizadora de nível sexual com crianças negada pela vítima e nunca satisfatoriamente comprovada.

Os membros da reputada associação Memorial têm como certo tratar-se de uma manobra política do regime. Este visa silenciar um opositor que revelava o lado oculto da história russa que o Kremlin quer apagar das memórias.

Sandormokh é um local de romaria até para poloneses. Putin quer silenciar os crimes de seu 'modelo' Stalin
Sandormokh é um local de romaria até para poloneses.
Putin quer silenciar os crimes de seu 'modelo' Stalin
Yury Dmitrieyev escreveu vários livros listando nomes e locais dos cemitérios clandestinos das vítimas do comunismo estalinista. Para ele, é necessário “instruir as pessoas” para que “o governo reconheça sua parte de responsabilidade”.

Obviamente, o Kremlin não quer saber de responsabilidade alguma. Em junho, Vladimir Putin defendeu que “a demonização excessiva de Stalin era um modo de atacar a União Soviética e a Rússia”.

Em certas cidades estão sendo erigidas estátuas para glorificar Stalin, o mais cruel ditador comunista russo. E no mesmo mês de junho, uma sondagem montada pelo governo constatava que na Federação Russa o grande autor das chacinas coletivas estava à testa dos personagens “mais destacados de todos os tempos”.

Vladimir Putin figurava humildemente na segunda posição, atrás do homem que ele declara ser seu modelo.

“Durante o Grande Terror, as represálias políticas, os homicídios, as execuções sem julgamento eram a regra. Agora, as perseguições, as detenções, a violência policial contra as manifestações de rua também viraram regra na Rússia”, deplorou Irina Flige, diretora de Memorial em São Petersburgo. Ela participou da descoberta do cemitério clandestino de Sandormokh juntamente com Dmitriyev.

O processo contra Dmitriyev já começou. Lev Shcheglov, presidente do Instituto Nacional de Sexologia de Moscou, testemunhou no processo que as fotos pegas com Dmitriyev nada tinham a ver com a pedopornografia de que o dissidente era acusado.

O tribunal então mudou a acusação para “atos perversos” e porte ilegal de armas, por causa de um fuzil velho de 60 anos.

Mais de 30.000 pessoas assinaram uma petição online reclamando contra a manifesta falta de Justiça e pedindo a restauração da legalidade no caso de Dmitriyev.

A imprensa estatal, porém, continua acusando-o de pedofilia e denigrando a Memorial como um grupo de subversivos que age contra o governo.

A floresta de Sandormokh é um imenso memorial das vítimas do comunismo
A floresta de Sandormokh é um imenso memorial das vítimas do comunismo
Numa vasta floresta entre o Lago Onega e a fronteira com a Finlândia, 6.241 prisioneiros foram massacrados nos campos de concentração pela NKVD em 1937-8.

Eles eram obrigados a se deitarem com o rosto na areia e recebiam um tiro de revólver na nuca, segundo o relato de “The Guardian”.

Ficaram sinais no chão da floresta, os quais permitiram a Yury Dmitriyev e ao Memorial a identificar o local desse crime de massa.

Próximo das ilhas Solovetsky, na região da Karelia, noroeste da Rússia, dezenas de milhares de prisioneiros foram mortos com um tiro ou afogados no infame canal do Mar Branco que Stalin mandou escavar num plano quinquenal.

No breve período na década de 1990 em que os arquivos da polícia secreta ficaram abertos, Dmitriyev registrou milhares de ordens de execução. Depois tentou identificar cada esqueleto com base nas sanguinárias ordens encontradas.

O percurso registrado de 1.111 prisioneiros, que incluía muitos líderes políticos, culturais e religiosos de toda a União Soviética, levou-o até Sandormokh.

Flige, Dmitriyev e Veniamin Iofe refizeram o percurso dos condenados a partir do testemunho do carrasco Mikhail Matveyev, e encontraram uma pilha de caveiras, entre as quais de algumas crianças.

Hoje, na floresta, em simples oratórios de madeira ou colados em troncos de árvores, podem-se ver lembranças fúnebres com os nomes de algumas vítimas, e até suas fotografias.

De início, as autoridades locais aprovaram a iniciativa construindo uma estradinha e uma capela. Mas desde o ano passado nenhum representante do governo comparece à comemoração da descoberta.

O mal-estar popular pela inimizade do governo com a memória das vítimas de Sandormokh cresceu desde que Putin invadiu a Crimeia.

Os ucranianos descendentes de inúmeras das vítimas não puderam comparecer. Também os poloneses ficaram intimidados. Para coroar o descontentamento, Dmitriyev condenou num discurso o apoio do Kremlin aos separatistas do leste da Ucrânia.

Memorial informou que 40.000 ex-membros da polícia secreta da era soviética receberam ameaças telefônicas para não cooperarem de alguma forma na investigação dos crimes do socialismo na URSS.


Sandormokh: entre os mais de 7.000 homens assassinados pelo comunismo havia muitos finlandeses



5 comentários:

  1. Esse é o grande "modelo de governo" que alguns que se dizem brasileiros querem que se implante por aqui.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O Governo MIlitar brasileiro fala onde estão as ossadas dos desaparecidos, no regime militar?

      Excluir
  2. Página triste
    Que Deus nos ilumine nestes tempos conturbados.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É a página ou as situações impostas pelos regimes russos que são triste, Ari? Por Paulo Martins!

      Excluir
  3. Triste é um crime na Rússia, porém , gostaria que se falassem tbm de crimes muito piores, de bestas humanas como Franco, Hitler, Mussolini, Pinochet, e outros tantos que mancharam de sangue a história da humanidade. Se é para falar de monstros, não esqueçamos os da direita, que possuem de acréscimo o estigma da covardia .

    ResponderExcluir